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segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Faces e fases de Joan Sutherland (1961-1962)

1961 e 1962
A transição para os anos 60


1961 e 1962 foram anos de consolidação da fama internacional conquistada com a Lucia di Lammermoor de 1959 no Covent Garden, de Londres. Foram também anos de transição entre a jovem e ascendente Joan Sutherland e a Joan Sutherland madura e diva irrefutável.

Na voz, modificações também ocorreram. Na minha opinião, a gradual mudança em direção a uma voz mais pesada e dramática como a dos anos anteriores a 1957 significa que o que houve foi uma acomodação da voz de Sutherland, que não suportaria durante muitos anos aquele canto extremamente claro e ligeiro que ela havia se disposto a fazer, como que unindo uma soprano ligeira e uma soprano dramática em uma só voz. Entre 1961 e 1962, a arte de Sutherland está ainda amadurecendo e a voz também começa a se definir.

Nesses anos, o registro médio é claramente uma transição entre o brilho, a jovialidade e a suavidade de 1960 e o tom aveludado, cremoso e redondo de 1963. Sendo assim, a voz retém a jovialidade e a clareza das notas médias ao mesmo tempo que já possui a mesma "transcendência" que ela adquiriria depois, no sentido de possuir uma voz que, segundo pessoas que a ouviam, realmente ''parecia vir de todo canto ao mesmo tempo'', o que é parcialmente audível nas gravações da soprano. O registro agudo permanece tão preciso, claro e vibrante quanto antes, embora talvez um tanto mais homogêneos. Os graves não transmitem agora tanta vulnerabilidade e feminilidade quanto antes, mas são, em compensação, mais sólidos, e também ainda não adquiriram o tom velado que logo apareceria.

Uma mudança interessante também diz respeito à dicção. A má dicção, que virou uma reclamação histórica daqueles que criticam Joan Sutherland, só começaria a aparecer por volta de 1962. Antes disso, Sutherland possuía uma dicção considerada perfeita, claríssima ao ponto de, muitas vezes, não ser necessário nem mesmo acompanhar a letra com o libreto. Curiosamente, a dicção foi piorando à medida que a voz foi ganhando uma qualidade mais cheia e envolvida ora por um belo veludo, ora por uma espécie de ''véu vocal'' que escurecia a voz.

A expressão vocal de Sutherland também parece ter mudado definitivamente nesses anos decisivos. À medida que ela foi ficando mais sob a tutela do marido Richard Bonynge, sua atuação com a voz foi ficando cada vez menos apoiada em efeitos dramáticos. Pelo contrário, a expressão das personagens foi ficando mais a cargo do fraseado, da musicalidade empregada na construção das linhas vocais e no uso sutil das cores da voz. Para essa nova concepção (que para muitos é a idéia correta de Bel Canto), o texto e o drama não podiam jamais atrapalhar a perfeição do canto, e seria basicamente através da capacidade dramática inerente à melodia que se transmitiriam todas as emoções das personagens. O efeito expressivo com as palavras é evitado, mas nem por isso as interpretações perdem sua capacidade de emocionar, pois a crescente maturidade de Sutherland permite a ela achar no próprio instrumento vocal diversos recursos dramáticos.

O timbre de Sutherland passou também a favorecer interpretações etéreas e, quando necessário, melancólicas (que alguns acham entendiantes, para falar a verdade, mas muitos acham extremamente condizentes com as heroínas belcantistas).

A coloratura praticamente sobre-humana torna-se, em 1961, ainda mais fluente e articulada, apoiada em uma musicalidade impressionante e em um legato irretocável, que a permitia cantar sem nenhuma ''quebra'' uma linha vocal que se estendesse por até 2 oitavas. Com o aprimoramento da técnica, Sutherland também se permite cantar os floreios vocais com uma delicadeza e sentido de ''despreocupação'' tão grandes que, não raro, ao ouvir suas gravações, não é sua estonteante habilidade vocal que chama a atenção, mas sim um todo musical que faz um completo sentido melódico e dramático. Ao contrário de outras divas, para quem, ao começar as passagens vocais mais intrincadas, iniciam-se verdadeiros coloratura fireworks, com Sutherland a beleza não está na capacidade de cantar (porque isso é quase que óbvio em se falando dela), mas em como ela canta todo o conjunto da música da personagem.

Em 1961, Joan Sutherland resgatou a ópera Beatrice di Tenda, de Bellini, que há mais de um século havia sido esquecida, interpretando-a em Milão e em Nova York. Em Nova York, sua performance ocorreu no dia da morte de sua mãe, Muriel. Mesmo assim, em respeito ao público, ela cantou a récita. Sua Beatrice é extremamente melancólica, o que se adequa bastante às longas linhas vocais compostas por Bellini, que ela cantou com perfeição graças ao seu legato e ao seu fôlego sem iguais.


No mesmo ano, Sutherland debutou no Metropolitan Opera (foto), de Nova York, como Lucia di Lammermoor ao lado de Richard Tucker. Um crítico disse sobre a sua Cena da Loucura: Here she allowed herself more freedom in ornamentation than previously, working out delicate traceries of figuration in and around the melodic line, stitching in a bit of petit-point staccato, coasting cleanly down a descending scale, and finally demonstrating her prize beyond price-a perfectly controlled trill that was not a mere glorified vibrato but a swift, even beat of two notes perfectly interchanged. Finally? Not quite. She ended her evening's work with a bright, firm, fully produced high E flat that is still ringing in the ear as this is written.

Em 1962, Sutherland faz parte de uma legendária produção de Gli Ugonotti, versão italiana da grand opéra de Meyerbeer Les Huguenots, interpretando Marguerite de Valois. Tendo ao lado cantoras do porte de Giulietta Simionato, Nicolai Ghiaurov, Franco Corelli e Fiorenza Cossotto, a produção se torna um dos maiores sucesso das últimas décadas no La Scala de Milão.

Em 1963, a voz de Sutherland amadureceria definitivamente e ganharia os contornos que caracterizariam sua voz nos anos 60 e mesmo depois. É bom salientar que a descrição de sua coloratura, de sua expressão vocal e de sua interpretação feitas aqui continuam a valer por toda a década de 60.

TRECHOS EM ÁUDIO (em ordem): "Ah, fors'è lui" (La Traviata) - 1962, Amsterdã; "Quando rapito in estasi" (Lucia di Lammermoor) - 1961, NY; "Regnava nel silenzio" - 1961, NY; "Deh, se un'urna è a me concessa" (Beatrice di Tenda) - 1961, Milão; "Alfin son tua" (Lucia di Lammermoor) - 1961; "Ma la sola, ahimè, son io" (Beatrice di Tenda) - 1961, Milão; "Scender nel mio petto" (Gli Ugonotti) - 1962, Milão.

Um comentário:

Anônimo disse...

necessario verificar:)