Em 1987, inicia-se um período de decadência rápida e inexorável na carreira de Joan Sutherland, o que era mais do que natural, uma vez que ela já passara dos 60 anos. Isso não significa que sua voz tenha ficado inutilizável após isso, mesmo porque, como já falamos, a técnica de Sutherland foi sempre prodigiosa o suficiente para manter uma performance vocal digna até o último dia de carreira, cantando ainda os mais difíceis repertórios de coloratura. Por exemplo, Joan Sutherland só abandonou Norma e Lucrezia Borgia em 1989, aos 63 anos, e em 1990 ainda foi capaz de interpretar Marguerite de Valois, de Les Huguenots.
Mais uma vez, ficou nítido o contraste entre a voz que envelhecia cada vez mais e a técnica que ainda era capaz de grandes feitos musicais. O timbre tornou-se mais seco e frágil e escureceu bastante no registro médio, de forma que ganhou toda um tom pesado e velado que muitas vezes retirava do canto o senso de suavidade e fluidez necessários para o Bel Canto.
Não obstante, o registro médio ainda era bastante volumoso e distinto, permitindo algumas belas performances mesmo em 1990. O tremolo nesse registro tornou-se bastante intenso em notas sustentadas, tornando o timbre audivelmente envelhecido, especialmente a partir de 1988. Para isso também contribuía o tom ácido que adquiriam algumas notas mais agudas do registro médio (não se fala aqui de agudos, que permaneceram milagrosamente brilhantes e redondos, como veremos). Os graves continuaram sua trajetória de perda da solidez e do poder, bem como o hábito de cantar algumas notas médias como que parlando e de alcançar notas mais agudas a partir das mais graves com uma espécie de emissão aspirada na passagem.
O escurecimento da voz se revelou também em uma emissão vocal um tanto mais gutural e heterogênea, que pouco relembrava o canto impecavelmente homogêneo e claro dos anos 60 e mesmo o canto ainda admirável de meados dos anos 80. A produção vocal agora soava mais forçada, o que não significa, porém, incapaz. As dificuldades para um canto sem quebras nem sinais de esforço acabaram por tornar o seu fraseado um tanto mais rígido, ou melhor, menos hábil em utilizar da voz para enriquecer a linha vocal, embora, quanto a isso, a experiência parece tê-la ajudado bastante a superar esse obstáculo.
Em tessituras agudas, o brilho e solidez do timbre permaneceram, embora não nas mesmas proporções de antes. A falta de sustentação de uma emissão bela entre as notas, em ornamentos ágeis, era ocasionalmente notória, mas não tanto nos seus melhores dias. Os floreios mais agudos eram "modelados" de forma bem mais brusca, talvez para vencer o peso da voz e da idade, fazendo perder a espontânea delicadeza que foi a marca de Sutherland. No entanto, apenas o fato de ela conseguir cantar bem floreios vocais os mais difíceis possíveis com mais de 60 anos é uma façanha por si só. As notas mais estratosféricas eram agora mais difíceis para Sutherland, mas ela ainda as atingia com precisão, redondez e grande volume. Ao ouvir seu sobreagudo final como Lucrezia Borgia, em 1989, pode-se perceber bem o poder avassalador do registro agudo de Sutherland - o que nos intriga ao sabermos que ela ainda perdeu parte do volume original dos agudos.
Tecnicamente, não há como negar que Sutherland reteve muito de sua capacidade como cantora. Ela manteve seu timbre desgastado e sua voz menos maleável sob admirável controle de sua admirável técnica vocal até o fim, ao ponto de, em seus melhores dias, a voz soar bem mais firme, ágil e jovial. Outros atributos seus foram muito bem preservados: os trilos nunca desapareceram nem mesmo perderam em qualidade; o legato permaneceu um exemplo para outras cantoras; a agilidade, diminuída devido ao peso adquirido pelo timbre e à menor flexibilidade, continuou a impressionar, apesar dos recursos diminuídos; os staccati, se não irretocáveis, eram ao menos sempre eficientes.
Joan Sutherland se despediu definitivamente dos palcos em dezembro de 1990, aos 64 anos. Sua última performance vocal foi em ''Home, sweet home", uma de suas canções favoritas. Desde então, Sutherland se recusa a cantar qualquer trecho que seja, mas há especulações de que até há pouco tempo ela ainda podia cantar para fazer inveja a jovens cantores (numa entrevista dos anos 90, o réporter disse ter gravado um pequeno trecho dela cantando – informalmente – Esclarmonde). Sendo verdade ou não, o fato é que Joan Sutherland não precisaria cantar nem mais nem menos do que cantou: seu legado de 43 anos na carreira operística foi um dos mais produtivos da história da Ópera e seus feitos no repertório de coloratura são ainda hoje insuperáveis.
Sutherland estabeleceu um padrão, uma meta de excelência a ser atingida pelos cantores que viriam depois dela. Ainda esperamos por uma artista do porte dela, que reunia impecavelmente voz, musicalidade, técnica, domínio estilístico e expressividade da mais refinada qualidade, cujas gravações sejam exemplos máximos de canto.